
Primaveras
Tem algo estranho acontecendo comigo. Começaram a me chamar de senhora, meu joelho esquerdo resolveu doer e, outro dia, o cara "bem mais velho" na fila do supermercado era meu colega de escola. Quando meu filho coloca o celular perto do meu rosto para me mostrar alguma coisa, não enxergo bulhufas. Rótulos e manuais de instruções ficaram ilegíveis e bulas de remédio parecem escritas em grego. Minhas amigas falam de "reposição hormonal" e "plástica de pálpebra". E na minha cabeceira apareceu um livro da Jane Fonda.
Mas já? Ainda tenho tanta coisa para fazer na vida. Acabei de colocar aparelho nos dentes. Outro dia mesmo eu carregava o futuro na barriga – o futuro completou 11 anos e já tem vergonha da minha risada. Não paro de fazer planos e sou capaz de mudar de opinião com um pé nas costas – não literalmente, claro.
Uma rápida pesquisa no Wikipedia mostra que o negócio não é só comigo. A Madonna já pode estacionar na vaga de idosos do shopping. Juliette Binoche chegou aos 67, Olívia Newton John fez 69, Caetano e Gil estão perto dos 80 e o blade runner Harrison Ford já chegou ao futuro: tem 76 anos. Ninguém escapa, nem a Jovem Guarda. Até a Fernanda não é mais tão Young.
Como é que me vem essa velhice de repente, se eu continuo me sentindo com 20 anos? "Mas você ainda é muito gata", me disse um amigo. Repare quanta informação numa única frase: contrariando "a regra", ganhei um tempinho de lambuja, pois ainda está dando para disfarçar. Deve ser por isso que passo horas olhando cremes anti-idade – veja que palavra estranha: parece que eles não são só contra as rugas, não; são contra o tempo, mesmo. Envelhecer é uma espécie de crime. A pessoa faz aniversário e já sai tentando arrumar uma identidade falsa.
Está tudo errado, gente. A gente esquece que, ao nascer, já estamos envelhecendo. E nunca paramos de crescer. Só que na idade adulta, cresce a sabedoria. Não à toa, pesquisas indicam que a maioria das pessoas depois dos 50 se sentem menos ansiosas e mais felizes. Então vamos comemorar, pois a longevidade veio para ficar. Em 2050, o número de pessoas com 65 anos no mundo vai triplicar. Perderá o sentido essa disputa entre juventude e velhice – sequer sabemos onde termina uma e começa a outra.
A famosa frase "a vida começa aos 40" é verdadeira. É quando a gente finalmente entende o que quer para, enfim, começar a viver. Foi aos 40 que virei escritora, palestrante, colunista, consultora de moda. Nunca fiz tanto na vida como nos últimos dez anos. E se hoje eu me sinto com 20, é porque tenho 20 anos. E também 18, 34, 45, 12. Quem é que pode ter todas essas idades sem ter chegado aqui? Em que outra época tive esse humor? A vida está mais leve e menos dramática – dramas estão muito mais relacionados às primeiras vezes.
A velhice não é um problema a ser resolvido ou doença a ser curada. É o curso natural das coisas. E não precisa ser sinônimo de solidão, doença e tristeza. Em lugar de fim, pode ser o recomeço.
O que envelhece mesmo é essa obsessão pela juventude. Cabelos brancos não precisam ser motivo para mais cabelos brancos. Esconder o tempo não faz viver mais. E o preconceito contra os mais velhos nada mais é que uma rejeição a nós mesmos no futuro.
"Eu não quero me sentir jovem, quero me sentir ótima", diz uma das entrevistadas do documentário "Advanced Style", sobre o blog criado em 2012 pelo fotógrafo Ari Seth Cohen. Ele clica mulheres a partir dos 60 anos e as revela em seus gestos diários de colorir a alma com histórias, acessórios e humor. Mulheres que têm mais rugas "de riso do que de pranto", posso garantir.
Envelhecer é ressignificar a vida. Deixar para trás as opiniões alheias e a obrigação de provar alguma coisa para alguém. Tudo fica mais divertido porque somos mais livres. Se o corpo não é mais flexível, as ideias podem ser.
Demorei muito para chegar a esse momento em que sou absolutamente eu mesma. Agora eu quero é aproveitar.
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